

Mangueiras resistem ao tempo e ao universo devastador.
Foi nesse cenário de festa, alegria e muito samba que a pesquisadora Carmem Izabel Rodrigues, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA, chegou ao Jurunas, bairro que tem não só a maior Escola de Samba do Estado, mas também uma organização social que traduz bem a relação entre tradição e modernidade. Segundo Carmem, “a chegada do antropólogo ao lugar é como uma descoberta”, neste caso, o achado rendeu a publicação “Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano”, editada pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, fruto de sua tese de doutorado, defendida em 2006. Carmem Izabel Rodrigues: moradores valorizam o lugar onde vivemCarmem conta que sempre gostou do carnaval e ressalta que esse foi um ponto fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, “sempre assisti às escolas e percebia nos desfiles oficiais uma diferença entre o Rancho, do Jurunas, e as outras. A presença forte dos moradores do bairro era o diferencial”. Ela explica que, no Jurunas, foi constituída a ideia de “nação jurunense”. Essa adjetivação aparece o tempo todo quando os moradores falam de si ou do bairro, logo se nota uma valorização extrema do lugar em que vivem. “Normalmente, quando se pergunta a alguém onde mora, a pessoa se limita a dizer o local, o nome da rua, mas se você pergunta ao morador do Jurunas, ele diz ‘eu moro no Jurunas, eu sou jurunense”, relata.
A pesquisadora fala que os moradores mais antigos, grande parte migrante ou filhos de migrantes, enxergam como um equívoco as pessoas que saíram do Jurunas para morar em lugares mais distantes. “Há famílias que nunca saíram desse espaço, que mudaram várias vezes de áreas mais problemáticas em busca de lugares mais centrais, porém sempre dentro do bairro”.
Urbanização estabilizou crescimento do bairro
O período de maior expansão do Jurunas se deu na metade do século XX, mais especificamente entre os anos de 50 e 60, quando o bairro duplicou seu número de habitantes, porém foi na década de 80 que ele chegou até a população que tem hoje, aproximadamente, 66 mil habitantes. “Da década de 80 para cá, não aumentou, pelo contrário, teve uma pequena diminuição em função da valorização dos imóveis. Graças à urbanização, o crescimento do bairro estabilizou”, analisa Carmem.
O bairro do Jurunas apresenta imagens distintas dentro e fora do seu espaço. As concepções interna e externa estão articuladas tanto no sentido de ser um bairro perigoso quanto no de ser um bairro festivo. No entanto, a violência é estrutural, não está só no bairro pobre, na periferia, mas sim em toda parte, inclusive nos centros. Para Carmem, as representações construídas a partir dos jornais contribuíram não só para a imagem da violência, como também para a imagem festiva. A violência é deixada de lado durante as festas. “Gostar de festas é um dos componentes dessa identidade jurunense, assim como gostar do movimento, de estar junto com os outros. O Jurunas é o bairro do encontro”, afirma a pesquisadora. No bairro, estilos musicais variados como o technobrega e o pagode convivem com o samba, que se mistura com formas musicais locais nos eventos festivos. “Mesmo nas festas, você percebe as diferenças de classe, as hierarquias, as relações de poder. Elas não são somente uma expressão lúdica, mas também um espaço de reflexão”, observa Carmem.
Tradição e modernidade
O Jurunas é um local onde modernidade e tradição residem no mesmo espaço. O grau de sociabilidade entre as pessoas atinge o nível típico de lugares periféricos ou de cidades do interior, Carmem chega a dizer que esse seria um bairro de parentes, vizinhos e amigos. Ao mesmo tempo, a modernidade se expressa a partir da apropriação da tecnologia e da dinâmica frenética dos bairros modernos. “O Jurunas não dorme”, acrescenta.
A antropóloga conta que, durante a pesquisa, trabalhou com o conceito de localidade, “acho que o Jurunas é uma comunidade no sentido dessa recorrência do conceitual mais tradicional, com laços primários em oposição à sociedade, porém uso muito mais a noção de localidade para articular o local que mantém a tradição e também interage com o global”, ressalta. A pesquisadora enfatiza que, nesse contexto, a identidade jurunense não é étnica, mas é, principalmente, uma identidade ligada ao lugar. Ela explica que esse elemento também faz parte da construção de identidade, logo, o termo “jurunense” remete duplamente à questão do local e ao aspecto lúdico das festas. Nesse sentido, a Escola de Samba Rancho Não Posso me Amofiná é como um pilar dessa identidade e dessa característica festiva dos moradores do bairro.
Quanto às correntes teóricas estudadas para analisar o Jurunas, Carmen diz que a teoria clássica sociológica da Escola de Chicago, de algum modo, via separadamente tradição e modernidade, “o sujeito, ao chegar à cidade, seria afetado pelo ritmo da metrópole moderna, tornando-se mais laico e afastado dos laços primários, da família, dos parentes, dos vizinhos, enfim, ficaria mais anônimo em sua individualidade”. Em oposição a esse quadro de individualismo, a pesquisadora afirma que, em bairros como o Jurunas, esses laços permanecem ainda que as pessoas convivam também com a modernidade, logo, elas têm diversas identidades articuladas em variados contextos.
“O que já é bastante claro para as teorias sociológicas e antropológicas de hoje é que essa modernidade não destrói os laços primários. Eles são modificados, transformados, mas permanecem. Não se pode pensar, por exemplo, que na modernidade as pessoas se tornaram mais laicas, menos religiosas, pelo contrário, hoje, o número de procissões é impressionante”, ressalta Carmem.
Matéria originalmente publicada no jornal Beira do Rio.
Ángel Castro
Essa inusitada versão é levada a sério por um grupo de pesquisadores paraenses. A história corre de boca em boca na região há décadas. Dagoberto Smith, irmão de Delphina, ainda vive na zona rural de Tracuateua. Diz ter 100 anos e está lúcido, embora com a memória embaralhada. Jura que guarda em casa cartas enviadas pela irmã e algumas poucas fotos em preto e branco do sobrinho famoso. Durante muito tempo, com medo de repressão do governo militar brasileiro, ele se recusou a mostrar esse material e a conversar sobre o assunto. Homem matuto e desconfiado, vai aos poucos perdendo o receio. Dagoberto conversou na semana passada com um repórter do jornal La Vanguardia, de Barcelona, na Espanha. Também gravou um depoimento para um documentário dirigido pelos historiadores Dantas e Jesse Feitosa, pai e filho. Outro historiador, Edilson Silva de Oliveira, está reconstituindo a história da família Castro paraense. Meses atrás ele deu uma entrevista sobre o tema à rádio Pérola, de Bragança. Depois disso, mais de três dezenas de ouvintes entraram em contato com a emissora para dar outros detalhes de velhos casos contados por seus pais e avós.
A história oficial do ditador cubano é contada pela pesquisadora carioca Claudia Furiati, autora de sua única biografia autorizada. Ela passou quatro anos em Havana e teve acesso a inúmeros documentos, entre eles duas certidões de Fidel. A primeira aponta o nascimento dele no dia 13 de agosto de 1927 e foi lavrada na província de Cueto, em Cuba. A segunda, com uma data posterior, foi acertada com o juiz da comarca para que o aplicado estudante passasse uma série na frente dos colegas de classe. De acordo com essa versão, Ángel Castro era um jovem soldado espanhol quando foi enviado a Cuba para lutar na Guerra da Independência, no fim do século XIX. Depois retornou à terra natal, mas por pouco tempo. Logo voltou à ilha. O ex-soldado trabalhou como operário da construção civil, comprou terras e enriqueceu. Casou-se pela segunda vez com Lina Ruz González, uma camponesa que trabalhava para ele. Fidel foi o terceiro dos seis filhos do casal e recebeu esse nome em homenagem a um amigo e sócio de Ángel.
Claudia Furiati, não concorda com a versão paraense
Logo depois do lançamento do livro, Claudia foi procurada por Sandro Castro, um paraense que se dizia sobrinho de Fidel. "A história me pareceu interessante, mas muito fantasiosa", conta. "Não bate com os documentos que pesquisei. Pode se tratar de uma coincidência de nomes, de um parente ou mesmo de uma parte obscura da trajetória de Ángel Castro. Não existem registros de passagens dele pelo Brasil, mas isso pode ter acontecido."
A suposta família paraense do ditador cubano é numerosa. Delphina, a mãe de Fidel na versão amazônica, tinha um irmão, Pedro Smith, já falecido. Sua esposa, Isaura Smith, conhecida na região como Lili, ainda vive. Esses "parentes" contam passagens tão épicas quanto inverossímeis, com datas e percursos imprecisos. No Peru, Ángel e Delphina teriam se separado. O aventureiro espanhol teria vagado por alguns anos pela América Latina. Quando soube que o filho estava internado em um colégio religioso, teria voltado ao Peru, para raptá-lo e levá-lo a Cuba.
Fidel Castro
Uma vez no poder, Fidel teria despachado Ernesto Che Guevara ao Pará para apagar os vestígios de sua origem brasileira - sabe-se lá por quê. Ele teria sido responsável pelo incêndio que destruiu centenas de documentos no cartório de Santa Maria da Foz do Tauari, no município de Gurupá, nos anos 60. Che esteve realmente no Brasil nessa época, mas para receber a ordem do Cruzeiro do Sul das mãos do presidente Jânio Quadros. Não há registros de passagens pelo Pará. Lício Viana, um caminhoneiro de Tracuateua, no entanto, jura que chegou a dar carona a Che. Os pesquisadores querem comparar amostras de DNA da família Smith com as do líder cubano. Procurada por ÉPOCA, a Embaixada de Cuba no Brasil não quis se pronunciar sobre o assunto. Sem tanta preocupação com a veracidade dos fatos, políticos paraenses planejam erguer estátuas de Fidel e apresentar em breve um projeto de lei para mudar o nome de Tracuateua para "Fidelândia". "Seria uma homenagem à origem brasileira de Fidel e um impulso ao turismo local", diz o deputado João de Deus - coincidentemente, do Partido Socialista Brasileiro.
Retirado da Revista Época
Dorothy Stang, morta em 2005
O lote em questão é uma área de três mil hectares, que foi grilada por Taradão no final dos anos 1990 e pela qual um grave conflito fundiário se instalou, culminando com a morte da freira, em fevereiro de 2005. Dessa vez, as acusações são de grilagem e estelionato. "Desde a absolvição, as autoridades que acompanham o caso já temiam que recomeçassem as pressões sobre os assentados.
A atitude de Galvão, de voltar ao local do crime e mais uma vez se dizer proprietário das terras públicas exige a intervenção imediata do Judiciário", disse o procurador da República Alan Mansur Silva. Ainda de acordo com a procuradoria, o fazendeiro chegou a ficar preso durante mais de um ano, mas foi solto em 2006 por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF), aguardando o julgamento em liberdade até o momento.
"É preciso máximo rigor com os conflitos fundiários, porque são a causa de tragédias como a morte da irmã Dorothy", declarou Felício Pontes Júnior, procurador da República. Segundo a procuradoria, após a prisão do fazendeiro, o inquérito da PF que investiga a grilagem pode originar um processo criminal do MPF contra Galvão. Ele pode ficar preso até o fim desse processo.
Além da acusação pela morte de Dorothy Stang, o fazendeiro já responde a outras ações judiciais, por trabalho escravo, crimes ambientais e fraudes contra a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). (Com informações do G1)